Diário Atual

OpiniaoHá um mormaço no ar, desconforto do homem velho. A esperança esvazia-se, foge pelos dedos de cada um, quase um vazio em cada um de nós.
Olho as nossas cidades, vilas, aldeias, e sinto em cada rosto, velho, sulcado por tantas lutas, tantos fracassos e poucos sucessos. Mas o que mais custa é ver uma mulher de bengala, vestida de preto, escuro por fora e por dentro, umas bocas de odre sem nagalho a criticar, tudo e todos. Naquele instante, levantou-se um homem lhano, e disse o seguinte. Esta mulher foi parteira a vida inteira, aparou centenas de inocentes, abençoava-os a todos e quanto pão repartiu por lares famintos, famintos de pão, de amor, de compreensão, de uma pobreza que já tinham esquecido e que agora galopa com toda a força.
Quanto tempo perdido a julgar, quem não tem o direito de o fazer, a estragar nossos fígados, porque são muitos, com críticas azedas e nefastas. E a pobre tia Luz, parteira alegre, amante de um copito, mãos de fada, sentou-se à beira do tanque, bebeu um púcaro de água, refrescou o rosto, queria refrescar as línguas maldizentes, das almas ressequidas e aumentadas de ruindade. Como não posso Pai, dá-lhe luz no coração de tanto ímpio, de tantos filhos que dizem que te amam, mas não sabem amar-te. Tem piedade deles todos aconchega-os com o teu amor e eterno perdão.
A tia Luz, criticada e julgada na rua ladeirenta da aldeia, com um sol em brasas, inclemente e com o ar pesado. A maldade é insuportável de respirar. Cansada foi dormir a sesta. Quando o marido tio Joaquim Coelho entrou no quarto, o silêncio enorme, foi acordar a companheira de 50 anos. Estava morta. Fez da sua vida a caridade silenciosa e partiu no silêncio dos eleitos de Deus.
No dia do enterro, aquelas bocas desumanas choravam a parteira boa, elevada de sentimentos cristãos. A hipocrisia grassa como a fome e a injustiça. A igreja cheia, de beatas imbecis, impostoras e carpideiras amargas e mal amadas, porque nunca entenderam uma só linha do Evangelho de Cristo. Até o Cristo criticavam, porque o que pediam tudo era recusado. Como és bom Pai, não o fosses, terias torcido as línguas desta gente que não ama, não sabe amar e não deixa em paz, para que outros amem.
Quando tia Luz, desceu à terra, os anjos e serafins cantavam Hosana, porque levaram em suas asas uma santa, onde semeou por mães carentes o amor e caridade. Fazia sem pedir nada em troca.
As urzes retorciam-se com o calor escaldante, as cobras arrastavam-se vagarosamente com os seus silvos, e alguns mendigos carregados de chagas. Tia Luz, no alto pedia ao Deus da vida e do amor, Pai tem piedade destes infelizes, porque não sabem o que dizem e nem o que fazem. Do alto, tia Luz contemplava a luz seráfica de umas das moradas que Deus deixou para os simples eleitos.
A aldeia mortiça, onde as pessoas sentiam o ar pesado por críticas infundadas. As pessoas arrastavam-se, como cada um leva-se o madeiro até ao Gólgota. Neste ínterim passou o Raul, aleijado, mas de lhaneza enorme e dizia; primeiro zurzem tudo e todos, agora choram-na com lágrimas de crocodilo. Mulheres como tia Luz, nascem poucas. Sempre a amei e amarei, porque espíritos de escol como ela, deixam sempre perfume indelével de quem conviveu com ela.
O homem é rude e mau, pelos comportamentos de atitudes mal pensadas. Oh língua, quando és bem governada consegues criar filigranas, mas para o mal, crias infernos para ti e para os outros. Sejamos solidários e respeitadores de todas as diferenças. É nas diferenças que o desenvolvimento se efectua.
O cão da tia Luz, com a tristeza nunca mais comeu e morreu.

Mário Areias

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