Diário Atual
Belarmino Nogueira

Belarmino Nogueira

á disse anteriormente que não gosto de histórias mancas. E como tendo a fugir das tendências, gosto ainda menos de usar “bengalas”. Mas uma ideia não é só de quem a tem, mas de quem a aproveita por desaproveito de alguém. Eis porque recorro ao clube dos poetas mortos para dar vida a uma demonstração.
Segundo o evangelho de Ernest Heminguay (escritor) ninguém pode ser bom no que faz, se não puser no que faz, o seu próprio sangue. E segundo Carlos Ruiz Zafon (e Hank Moody), só devemos escrever, se a nossa vida depender disso. Senão, o melhor é fazer outra coisa qualquer. A comprová-lo, está Toulouse Lautrec, que deixou a casa dos pais (condes) e se mudou para um quarto alugado nos subúrbios de Paris – onde abundavam não só os filósofos e artistas mas trabalhadores e prostitutas – a salvo do conforto que limitava a sua criatividade enquanto pintor. Van Gogh, um dos maiores pintores de sempre, foi toda a vida um fracassado, vendendo unicamente um quadro, que nem sei se conta porque foi o irmão que lho comprou mais p’ra lhe fazer o jeito que por lhe atribuir valor. Newton, entre outras coisas um astrónomo, rico ou pobre, desconheço, renunciou à vida social em função da descoberta das leis universais. Diz-se inclusivamente que, sem tempo para relações mais estreitas, deve ter morrido virgem. Mozart, um talento precoce (começou a compor aos 5 anos), mas sem juízo nenhum para o administar, nunca conheceria estabilidade económica, embora tenha conhecido a inveja do anterior compositor oficial da corte (Salieri), disciplinado, mas medíocre. E Camões, que em Goa partilhou com outros, a roupa do corpo em dias alternados, andou aos papeis p’ra não perder a obra maior, quando, no regresso, a casca de noz se fez em bocados. Lás’tá! -Manoel de Oliveira diz que a maior glória dum artista é morrer na miséria. Confere. Mas não significa que tenha que viver nela. Muitos foram os artistas que conheceram sucesso financeiro em vida. Miguel Ângelo, por exemplo, amealhou uma quantia que transportada para os dias de hoje na devida proporção, daria uma fortuna incalculável, que não parece ter sido suficiente para apagar o fogo das suas paixões, algumas delas, consta, pouco ortodoxas.
A lista dos ilustres que se viram em calças pardes, é um comprido etc. E parece ter razão portanto, o senhor Ernesto quando diz que é preciso ir à guerra dos treinos e por sangue no que se faz. Em todo caso, p’ra se por sangue no que se faz, primeiro, é preciso sangrar. Embora no caso de Van Gogh ou Camões cortar orelhas e tirar olhos tenha resultado, fazê-lo no sentido literal nem sempre é garantia de sucesso. Em pequeno, passava a vida a cortar os dedos com a navalha enquanto entalhava em madeira pistolas de “cauboi”, e o meu sucesso, pfff, é o que se vê.

De olhos bem fechados

Facultam-nos ensinamentos p’ra distinguir o que recomenda do não recomendável ilustrados com termos pré-feitos e ideias pré-concebidas, e vamos pela vida de arma em riste sempre prontos a disparar sobre qualquer conceito a abater. No entanto, e o universo não desmente, o equilíbrio é o que nos mantém de pé. A ingenuidade, por exemplo, uma espécie de borracha que apaga o que não presta ou já foi usado, é uma das principais bases de sustentação da sociedade. Sem ela, não nos entregaríamos a novos amores por sabermos que também os novos amores, à semelhança dos antigos, um dia nos deixarão mágoa. Nem faríamos revoluções políticas por sabermos que os detentores do novo poder por questões de natureza à qual não conseguem fugir, são feitos da mesma massa daqueles que o detinham anteriormente. Também não engraxaríamos os sapatos ao sair de casa, sabendo que quando entrarmos nela já estarão outra vez sujos. E, sobretudo, não faríamos santos, homens como nós, que se não comem morrem de fome, e senão vão à casa de banho rebentam. Casa de banho, é um eufesmismo. Percebe-se.

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