Diário Atual
João Madureira

João Madureira

Os portugueses, honra lhes seja feita, não detestam apenas o cinema português. Basicamente detestam o país em que vivem. E até tem razão para isso. E de sobra.
Alguns de nós ainda nos aninhávamos nas nossas cidades como se elas fossem território de democracia, onde podíamos confrontar as nossas diferenças com os outros, onde negociávamos permanentemente a dificuldade de vivermos juntos, desde há séculos.
No fundo, a cidade era um território de imprevisibilidade, porque éramos muitos, porque estávamos juntos, porque podíamos aspirar a ser diferentes.
Chaves é um território com uma história anterior a nós e que, pensávamos com orgulho e esperança, perduraria depois de nós.
Mas pelo caminho que isto leva, qualquer dia somos uma aldeia com muitas casas. Umas de gosto duvidoso, muitas amontoadas em caixotes e ainda outras em ruínas.
A cidade definha e nós definhamos com ela. Muitas das pessoas que, nestas últimas décadas, passaram pelo poder autárquico, prometeram-nos desenhar a cidade com a subtileza de um prato de cozinha francesa, sustentando as suas ideias num espavento teórico que nos iludiu a todos. Ou quase.
Mas, como todos sabemos, por muito refinado que seja o aparato da cozinha francesa, não há nada que chegue a umas febras de porco bísaro salpicadas apenas com umas pedrinhas de sal e assadas nas brasas.
É na simplicidade que encontramos a exigência das coisas. É nela que reside o saber. É ela a mãe da criação.
Li em algum lado que o ato de construir teorias é um sinal de inteligência, mas que abster-se de teorizar é um sinal de sabedoria.
A teoria recorrente de que os nossos autarcas andavam a criar uma nova cidade, uma cidade sustentável e com futuro, foi um logro do tamanho da torre de menagem. O que sobra é uma cidade a cair aos bocados, sem energia, sem vitalidade e gerida em cima do joelho. E com a astronómica dívida de 60 milhões de euros, mais o IVA. Perdemos tudo o que de valor conquistámos ao longo dos anos: o Tribunal, o Hospital e a Universidade. Menos a honra. Mas mesmo essa é caso para duvidar.
Até porque, depois de perdida a inocência da puberdade, constatámos que o ser humano é, afinal, bem menos simples e idílico do que parece.
É uma realidade que Portugal é um país demasiado centrado em Lisboa. Mas também é verdade que isso só acontece porque os políticos originários da província não possuem nem o ímpeto, nem a coragem, de afirmar e defender o interior, como é sua obrigação.
Lá vão para a capital e voltam, os que voltam, da capital, acabrunhados, silenciosos, desistentes e frustrados. E assim tem sido sempre. E assim continuará a ser.
A política tem a qualidade que os homens e as mulheres que a protagonizam lhe conferem. Nem mais, nem menos.
O povo bem continua a apontar aos políticos a estrela polar com o dedo, mas eles, propositadamente, apenas se dedicam a escalpelizar escrupulosamente a ponta do indicador.
Perante o descalabro nacional, e concelhio, a maioria dos indivíduos continua ou a assobiar para o lado ou a falar de cor. Comportam-se como as pessoas que, assistindo a um terrível acidente de carro, param no passeio, ou no cruzamento, a comentar o sucedido.
Em Chaves, o poder autárquico continua a fazer de conta. No entanto, os flavienses continuam a dizer que não têm culpa. Mas talvez não seja muito acertado falarmos de culpa. Há muito tempo que a culpa já não existe.

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