Diário Atual
Belarmino Nogueira

Belarmino Nogueira

Entre muitas outras coisas este mundo em que somos feitos é feito de frases feitas, de clichés, conversa da treta ou de circunstância. Nos últimos dias, devido ao calor, a mais comum é, “o tempo está maluco” – propaganda que o torna mais suportável como quem diz palavrões quando se aleija e que como sabemos ajuda a aliviar a dor – e se pensarmos que tal como um carro de grande cilindrada que vai dos zero aos cem em poucos segundos tão depressa nos faz botar mais um cobertor à cama como nos faz arredar o lençol, se calhar até está mesmo. E uma geada em Julho seria tão normal como um inglês em Londres, observação mais que justificada que em cada cem habitantes londrinos pelo menos trinta são ingleses, e que, a estas alturas devem andar todos “incourelos”, que em Março, muitos já andavam equipados como manda a lei (a lei deles, que por cá, nessa data, todas as lareiras crepitavam ainda). Por equipados, entenda-se, de calção e t’shirt a fazer ver aos homens do leste, que na terra deles supostamente suportam quarenta graus negativos e em Portugal andam mais embrulhados do que eu. É daquelas coisas que andam de noite e portanto, não se explicam…
Parece que o Verão chegou e nem esperou que o S. João chegasse. E goste-se muito ou não se goste o calor mexe com tudo. Do fundo do guarda-roupa desenterram-se as sapatilhas, as meias finas, as mangas curtas, e os tecidos frescos e os barretes, que a loba já desce pela serra abaixo. As esplanadas abrem, os serviços fecham, as pessoas saem e o dinheiro entra. Corta-se o feno, desbasta-se o milho, molha-se a horta, comem-se batatas novas, e ouve-se o som dos foguetes misturado com o dos motores de rega. Há gente a correr nos passeios, e outra que despeja barris que estão cheios sempre de copo na mão. E enquanto uns fazem casamentos d’arromba com fotografias a consolo, outros divorciam-se na sombra porque entretanto acabou-se o rolo. É a vida a acontecer que, segundo parece, se o calor não vem a vida não acontece. É o ganha-pão c’os ganhos a passarem de mão em mão, e está explicada a necessidade do inferno que durante o Inverno arrefeceu, explicação que vem dar jeito, que a outra do mundo imperfeito, nunca me convenceu.

Mau tempo nos canais
Os oitenta canais que a Meo disponibiliza que deviam equivaler a ver muitos programas e costumam ser o equivalente a não ver programa nenhum que, como toda agente sabe, só se pode fazer uma coisa de cada vez, nos últimos dias têm sido a alternativa a qualquer canal português cuja visualização equivale a não ver outra coisa que não seja futebol. P’ra quem aprecia tem sido um rebolar na relva de satisfação que, com tantos canais, do primeiro ao “trinteital”, outra coisa não se fala que não seja o mundial. P’ós que pensam que a bola é quadrada e que o Ronaldo está no Tousseou a fazer cera, caso pudessem pairar e esperar que a rotação da terra os deixasse longe daqui ou não tivessem medo de avião, podia equivaler a um aumento de temporária emigração, se a TV local ou a RTP internacional, não lhes desse conta do truque. Não adianta fugir p’ró Cazaquistão que provavelmente já trocaram o casaco por camisolas numeradas, nem pró Afeganistão onde só mulher não veste calção porque são todas tapadas. E ir p’ró Japão a “tóquio-de-caixa”, também não parece a melhor das soluções que, ainda que por lá se dê mais importância ao karate que a outros tipos de pontapé, o que por lá não faltará neste momento, são caixas registadoras a registar o acontecimento. Mundial é o mundo todo e parte dele é onde eu ando. Resta portanto pegar no comando e fazer o gosto ao dedo que, o mundo nunca acaba, mas o mundial acabará, mais tarde ou mais cedo.

 

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