Diário Atual
Belarmino Nogueira

Belarmino Nogueira

“Sonhar é bom”, “votar é um direito”, “com o poder vem a responsabilidade”, “no mundo tudo faz falta”, e tal e coisa e coisa e tal. Atiram-nos isto à cara e a gente fica-se. Não perguntamos porquê. Não pedimos explicações. Não espreitamos por trás.
Votar é um direito mas não é uma obrigação embora uma coisa e a outra vivam paredes meias e muitos teimem serem o mesmo. A responsabilidade, que nos consome, termina onde a sua inutilidade começa. O mundo já andava às voltas quando chegamos e continuará às voltas quando partirmos. Se eu morrer amanhã, todas as minhas responsabilidades cessam imediatamente. Mas é certo que no mundo tudo faz falta, porque só saberemos quem somos quando esgotarmos todas a s possibilidades do que podemos ser (não descartamos nem metade). Eis portanto a razão da mudança, da experiência e da recriação constante tornando o hoje obsoleto amanhã, na troca dos ferrugentos potes por trens de cozinha luzidios, WCs dentro que deitam fora os malcheirosos bacios, a palha da cama por sumaúma, e a água que na talha era de graça mas que não teria agora graça nenhuma. O sonho, é tornar este mundo um lugar mais perfeito que outro lugar mais perfeito qualquer (obrigado Gabriel o “Pensador” por seres quase tão bom como eu). E assim, limpam-se as valetas com roçadoras, troca-se o carriço por moto cultivadoras e acaba-se c’o sossego das turinas a pastar à rédea. Os caminhos de terra batida passam a alcatrão ou coisa parecida, e a educação a palmadas muda para regras orientadas ou quando muito palmadinhas, que pessoas civilizadas não batem nas criancinhas.
O fim de uma era, costuma ser o início doutra que o mundo está feito assim e está muito bem feito. O avanço, que levou a calma e trouxe o ruído, já estava previsto por quem faz crescer as colheitas que já sabia que nós não paramos enquanto a roda rodar. O mundo muda, a gente adapta-se, e as criaturas do mato, vão aos caixotes do lixo (ou aos galinheiros) quando no mato já não houver mata-bicho. Mas neste abandono da natureza, neste caminhar p’rá frente, algo da nossa essência vai ficando para trás. Tento sacudir a saudade que às vezes não posso e outras não quero voltar à ferramenta. Mas gosto de ver os campos lavrados e o renovo a crescer que um ou outro resistente vai teimando em manter que, sonhar é bom, mas viver (verdadeiramente), é muito melhor.

Vinde a mim os pequeninos
Éramos três sentados na mesa do café e um deles trazia um baralho de cartas e uns truques recém aprendidos c’uma cartomante. Lançou as cartas, viu o meu futuro espalhado e disse-me que jamais seria rico mas que teria sempre o suficiente para viver. Na primeira parte, qualquer um pode ver, acertou sem esforço. Na segunda, é como quem diz…
Terei sempre o suficiente para viver, sempre e quando me aguente com o que tenho e, a reboque, me contente com o azar ou a sorte que me toque. Em vez dum carrão, uma carrinha; duma mansão, uma mansinha; duma quinta, um quintal; de estar muito bem, estar menos mal, do dinheiro nem o cheiro… e dum harém, só a vontade, que daquilo que nos apraz, se não dermos ao pé de trás, não conseguimos nem metade.
A alegria da pobreza (coisa que não sei se concordo que nunca me vi mais gordo), está portanto na certeza, de que, senão tivermos tais coisas nem outras coisas que tais, de nada serve… chorar por mais.
Bote lá…

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