Diário Atual
Belarmino Nogueira

Belarmino Nogueira

Já deve ter ouvido falar, anda nas bocas do mundo e saiu em tudo quanto é publicação. É a última tendência, chama-se minimalismo, e consiste em deitar fora o desnecessário vivendo apenas com o essencial. (Não guardes o que não presta e não terás o que te estorva).

Eu, só não espero ansiosamente que os meus vizinhos deitem fora o desnecessário para ver se no desnecessário dos meus vizinhos há alguma coisa que necessite, porque o conceito e a medida do desnecessário, é do critério de cada um, e já sabemos o que isso significa: se é cada um que decide, de quantos livros se quer livrar, por norma, serão aqueles que por serem uma seca, não interessa ler ou manter na biblioteca; se é cada um que decide, que jarrão quer passar à história, será aquele que se arruma, porque não fica bem em canto nenhum de casa nenhuma; se é cada um que decide, que biblôs estão a mais na estante superlotada, serão os que lhe recordam aquela viagem inesquecível da qual já não se lembra e a nós não nos interessa nada; se é cada um que decide, que roupa já não ver no cabide, vai ser a que já não lhe cabe ou não combina, com o que está do pescoço p’ra cima. O conceito e a medida do que nos sobra, na prática, é, portanto, o que não presta, não serve, não tem utilidade, já passou de moda ou, passou para suporte digital, o que significa que o minimalismo não é extensível à tecnologia, ou acabaríamos como’cão, às voltas atrás do próprio rabo.

Esta coisa, assim à partida vantajosa (tropeça-se menos) é, para qualquer um que esteja atento, uma machadada na economia global cada vez mais dependente do consumo (é preciso poupar com moderação, tenho dito), e, um perdão e um balde de água fria respectivamente, no empenho de duas forças antagónicas do passado: a de um senhor que durante quarenta anos tudo fez para nos manter à margem do superfluo e que se agora pudesse dizer diria «eu bem vos disse», e a duns senhores que durante mais ou menos o mesmo tempo, fizeram o possível para nos manter à margem deste senhor que tudo fez para os manter à margem a eles e se pudessem dizer diriam, «assim não vale» (espero que tenha percebido esta linguagem ziguezagueante que se explico isto com mais clareza, amanhã todos vão dizer que sou doutros tempos, duma forma ofensiva). Em todo caso, dizem os adeptos da modalidade, que assim, se aumenta o espaço na barraca, enquanto se diminui o espaço na carteira. Menos tralha, mais dinheiro. Boa! E se esta pancada for alargada às contas bancárias, já me estou a ver a mim, que aproveito tudo, à porta do banco a fim de dar uma ajudinha na criação de espaço nos cofres que o dinheiro pode não dar aquela coisa que não dá, mas dá muito jeito.

Por regra, só a partir da linha trinta e cinco é que começo a ficar solene e a tratar os assuntos com a devida seriedade. Sou homem de palavra, e faço questão de mantê-la: a verdade, é temos no ninho palhuça a mais, e a gente, não precisa de tantos tarecos p’ra viver. Não faz sentido uma casa com cinco banheiras, se se tem em média um filho vírgulavintecinco. Não faz sentido ter oitenta canais, se só vemos um de cada vez. Nem faz sentido levar p’ra casa a pedra que dá jeito p’ra calçar o pote, se já não temos potes em casa. Mas fazer de conta que somos pobres é publicidade enganosa, que a primeira coisa que queremos quando somos pobres de verdade, é deixar de o ser. Além disso, Deus não se importa que acumulemos uns tesouritos na terra que à falta do que nos falta nos vai dando algum prazer nos dias cinzentos, desde que o pão dos filhos esteja assegurado. E Deus me perdoe “seunistopeco”, mas tirando trinteitrês chatices, o tédio quando me aborreço, e o trabalho quando não me agrada… não me quero livrar de mais nada.

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