Diário Atual

OpiniaoQuando andamos pelo país afora, deparamo-nos com a desertificação no nosso interior, aflitiva. Em cada aldeia e vila que passamos, só encontramos velhos, rostos curtidos pelo tempo, agora a desolação entre os habitantes. Há um acompanhante, a bengala e a tosse. Miséria, frustração, desencanto.

Os homens de comando não é com eles, com eles é quando há eleições, vêm ser solidários e apertar as mãos esmirradas pelo tempo. Vamos à missa ao domingo e só se escuta a tosse do padre velho, e dos irmãos velhos é da descrença total. O padre fala em Cristo, fala contumazmente no pecado, no Inferno, no Purgatório, para quem? Para homens que não deixaram de viver a não ser no inferno. Olho-te meu país, e vejo em ti cadáveres estendidos, humilhados e onde a esperança morreu. País moribundo, caído enxaugue. O que nós somos. Resto de esperança de um povo secular. O nosso interior é como um resto de poda, seca abatida pronta para a fogueira, onde não dará brasas, mas cinza miudinha e fina. Tudo é negro, todos passamos com fantasmas, sem alma, sem esperança, apenas transeuntes despidos e descalços a caminho do holocausto, onde as últimas esperanças são queimadas, justamente com as meretrizes de quem nos governa. Dizia-me um velho; não tenho mais fogo, sinto tudo a morrer comigo. Pena. Olho o chão a minha visão apocalíptica, sinto a terra a desventrar-se, vejo coisas estranhas, não entendo nada de nada, e tudo me apavora. Estou a ficar maluco? Não homem, comigo acontece o mesmo, vejo as entranhas da terra, vejo o fogo, e vejo o inferno do grande Dante, vejo o rio Letes, vejo milhões de seres a arder e logo em seguida, vejo milhões de miríades, no céu plácido, a contemplar esta humanidade tonta, perdida, sem rumo, oca, amorfa, o nada. Todo escuro, tudo num amplexo da complexidade e do terror. Mais à frente, encontro um menino no colo do avô. Este olha-o como quem contempla a esperança, mesmo sendo ténue, longínqua, aquosa, mas uma esperança. A Cruz é pesada e o gólgota ali perto. Somos fantasmas vivos, Deus de misericórdia apieda-te de nós. Mas os nossos passos lentos, vamos acordar deste triste fado, para a realidade dolorosa que nos acusa.

Vamos ensaiar os últimos gritos, as últimas raivas adormecidas, para ver se acordas, pátria amada.

 Mário Areias

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