Diário Atual

Nas Inquisitiones do séc. XIII já podemos ler a referência às ‘sartaginatas de follos’ que alguns autores entendem ser ‘sertanzadas de filhós’.

As filhoses, produto culinário de aproveitamento e subsistência, eram levadas para as segadas. As filhoses de sangue de porco, batido com vinho, beneficiavam do produto das matanças; e também as de orelheira aproveitavam a água da cozedura das cabeças de porco. Mas as filhoses lêvedas de Entrudo adquiriam outro estatuto: por alguma forte razão um moinho na Corva só era activado, em todo o ano, num único dia, para moer a farinha das filhoses, no Sábado Filhoeiro.

As filhoses ocorrem ainda hoje como manjar geral e obrigatório do Carnaval, e tal como sucede no Norte de França e na Inglaterra, constituem um alimento singelo, não integrando o carácter gordo da ementa do Entrudo, representando antes a economia agrícola, pela sua composição elementar, aparecendo como ‘garantias talismânicas de prosperidade e abundância’ nas palavras de alguns estudiosos, que afirmam ser na região serrana de Barroso que este fenómeno tem traços mais significativos.

Há cerca de sessenta anos, ainda se semeava em Barroso algum milho-miúdo, pouco, apenas para as filhoses do Sábado de Carnaval em Vila da Ponte e em Campos, de Boticas, sendo mesmo o único alimento que exigia a farinha do milho-miúdo.

Nalgumas regiões do país, as filhoses tinham, outrora, um carácter profilático: queimavam-se, no início de um novo ciclo, os espíritos maléficos da vegetação. Mas a solenidade familiar da confecção das filhoses está a esbater-se.

Outros investigadores dos rituais alimentares não hesitam em dizer, que comer filhoses o maior número possível num dia sagrado, é assegurar à casa e à lavoura a abundância das suas matérias-primas essenciais e de todo o conjunto económico, familiar e territorial, assumindo a forma de um vigoroso culto popular.

Em Salto, quem não faz, normalmente recebe filhoses em casa, ou é convidado para as provar em casa de familiares e vizinhos, renovando assim o seu elo de pertença à cadeia de alianças que ciclicamente se reafirma.

Dando seguimento à linha de orientação que tem seguido, cumprindo a obrigação de ajudar a transmitir os conhecimentos e as práticas culturais de Barroso, estabelecendo como prioridade as iniciativas dirigidas aos interesses da comunidade local e com a sua participação, o Ecomuseu de Salto levou a efeito uma ‘oficina’ de confecção de filhoses que contou com a participação de dezenas de assistentes, que observaram atentamente, questionaram com oportunidade e provaram finalmente o sabor das filhoses feitas na sertã, em fogueira branda, na pedra do lar da Casa do Capitão.

 

João Azenha

 

 

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