Promover o que de bom e melhor tem o concelho de Montalegre, envolvendo de forma ativa os agentes locais, é um objetivo sempre presente na política da autarquia. Em entrevista, Orlando Alves, presidente da Câmara de Montalegre, salienta medidas que a autarquia vai tomando, como a qualificação dos restaurantes, ou a promoção de eventos, como a “Semana do Barrosão”, para o desenvolvimento de um concelho do Interior, sempre esquecido pelo “centralismo lisboeta”, que, muitas vezes, mais do que dinheiro, o que o Interior precisa são de medidas urgentes, a maioria das quais até nem custam dinheiro.
A Voz de Chaves: Na passada semana, decorreu a “Sexta 13” em Montalegre. Correspondeu às expetativas?
Orlando Alves: A mística da “Sexta-13” já está espalhada por todo o território nacional e internacional, pois começamos a sentir o peso deste fenómeno além fronteiras. Montalegre acolhe, assim, um sem fim de pessoas que quererem viver esta experiência. E nós congratulamo-nos com isto.
Nesta edição, o espetáculo não teve o colorido e o ritmo que outros já tiveram, mas primou por ser algo inédito e, dada a dificuldade em encontrarmos um som em condições, nesta “Sexta 13” esteve magnífico e sem distorções o que ajudou a dar solenidade a este grandioso espetáculo. Contou com momentos de muita valia técnica, com o brilhantismo que lhe aportou a Sofia Escobar. O final foi empolgante com uma estrondosa sessão de fogo-de-artifício. Correu como esperávamos.
E, como sempre, aproveitámos para promover o território Barrosão e, mais uma vez, dar a conhecer ao país a necessidade que o país tem de fortalecer as amarras ao Interior e às terras ditas de baixa intensidade.
Qual a importância do Interior para o país?
O Interior é uma mais-valia de Portugal, é a parte mais bonita, mais intacta, mais preservada, onde se pode viver num ambiente de paz, de conforto, de água e ar puros. Numa notícia que li, recentemente, tendo sido feito um inquérito nacional, a cidade com melhor qualidade de vida é Viseu. Só um país que não tem norte pode descuidar o seu Interior. E este nosso país, que é um país de loucos, tem sido, desde sempre, mal governado. Não vale a pena encolher as palavras para esconder esta evidência. Não só ao Governo atual, mas, particularmente, os sucessivos governos após o 25 de Abril, mais concentrados no obreirismo, nas auto-estradas, nas questões do Litoral, porque eleitoralmente mais atrativo, e esqueceram que o Interior existe.
Que medidas poderiam ser tomadas em favor do Interior?
Portugal precisa de ver, no Interior, a sua agricultura empresarializada, a floresta reordenada, as suas tradições e culturas serem reconhecidas na política nacional. Enquanto isso não acontecer, passaremos a vida a queixar-nos do centralismo e a não sermos ouvidos.
Todos falam de indústria. Certamente a indústria é necessária. Valerá mais uma pequena indústria que empregue dez pessoas que meia dúzia de exprobrações agropecuárias de cariz familiar. Porém, enquanto não se investir na agricultura, na pecuária e na floresta, por um lado, será difícil evitar a saída da população, por outro, ninguém vem do Litoral radicar-se no Interior. Há muita gente que odeia a cidade e quer vir para o Interior abrir uma exprobração agropecuária, mas faltam condições.
Que tipo de condições?
Uma condição importante era que tivesse sido feito o cadastro da propriedade rústica. Dimensionar a propriedade rústica seria uma forma de criar condições para que os portugueses pudessem investir no Interior. Cabe ao Estado realizá-lo e poderia esta demanda ser financiada pelos fundos comunitários. E poderia fazê-lo. Por exemplo, em vez do Estado financiar e impor o chamado pacote do Combate ao Insucesso e Abandono Escolares, por que não direcionar esta verba para o cadastro da propriedade rústica?
Seria dinheiro melhor aproveitado. O insucesso escolar resolve-se, sobretudo, com a responsabilização dos pais e da escola. No âmbito deste projeto, a Câmara de Montalegre tem um plano financiado de um milhão e meio de euros, para investir em três anos e, ao fim dessa data, acabou-se o dinheiro, acabou-se o programa e não terá continuidade. Qual a eficácia? Isto são políticas de navegação à vista, sem resultados.
Mas nem tudo se resolve com dinheiro. Os desequilíbrios resolvem-se, sobretudo, com medidas. Se os problemas do país se resolvessem apenas com dinheiro, íamos ao banco. O dinheiro resolve poucos problemas e outras vezes até cria dois ou três… Quando esteve o primeiro-ministro aqui em Montalegre, disse-lhe que esperar muito mais tempo para que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) elabore um novo plano de ordenamento para o Parque da Peneda-Geres é conjugar o verbo imigrar. Em Pitões das Júnias, por exemplo, estão sedeados vários jovens produtores pecuários e os estábulos não podem ter mais de 200 metros quadrados, segundo os atuais regulamentos. Isto é limitativo à expansão dos produtores. Se fosse aumentada a capacidade de exploração, e nisso não há qualquer prejuízo para o Parque Nacional, haveria mais condições para expandir e eventualmente criar novas explorações agrícolas, ao mesmo tempo que fixaríamos os jovens no concelho. Uma simples alteração, que não precisa da aprovação do Ministério das Finanças, por não envolver verbas, que significaria muito, neste caso concreto, para os jovens pecuários.
Aliás, o ICNF não deveria estar sedeado em Lisboa, não faz sentido. Por que não aqui, em Montalegre, ou numa outra localidade do interior? São estas algumas medidas que geram alavancas de desenvolvimento e sustentabilidade nos territórios e não custam dinheiro.
Referiu o reordenamento da floresta. Que medidas poderiam ser tomadas?
A gestão da floresta tem de obedecer a um plano e não pode estar dependente dos amuos dos presidentes dos Conselhos de Baldios. Uma nova política passa pela ideia que a floresta tem de ser plantada e não deixar ao abandono, entregue à regeneração natural, pois assim não funciona. Nem um coelho ou uma perdiz consegue lá andar.
A verdade é que também assistimos a diminuição das peças de caça….
Sem uma política de ordenamento da floresta, e se juntarmos os herbicidas, é uma consequência natural. Mas também aqui são necessárias medidas urgentes. Se houvesse uma lei de caça que respeitasse os condicionalismos e especificidades de cada região poderia funcionar melhor. É com lamentável tristeza que antevejo o flagelo dos nossos agricultores a cada mês de agosto: o milho começa a crescer, a criar espiga e lá vêm os javalis de Espanha devastar os nossos campos, pois nessa altura começa a caça ao javali na vizinha Espanha e eles fogem para o lado de cá. Como, em Portugal, as batidas começam muito mais tarde, não há como xotá-los para o lado de lá. Assim, questiona-se: por que não harmonizar a legislação com Espanha? Uma simples mudança que traria imensos benefícios. Temos que continuar a mostrar estas situações e a reclamar… Deixo aqui um repto: juntamente com a Câmara de Montalegre, se as associações de caçadores assim o entenderem, por que não batermos o pé e exigir isso ao Governo?
Não é fácil lutar contra o centralismo. Não há Governo nenhum que queira pegar a sério no Interior, pois eleitoralmente é mais interessante acudir às situações que o Litoral reclama, do que atender às reais e prementes necessidades do Interior.
A “Semana do Barrosão”, agendada para o último fim de semana de junho, é, tal como a “Sexta 13”, mais um esforço de promover o que de bom tem o concelho?
Antes de mais, a “Semana do Barrosão” é um reconhecimento do Município aos produtores de Salto que se dedicam à criação do gado “Barrosão”. Depois, é a consciência que eu tenho que a carne colocada todos os dias no cardápio dos nossos restaurantes seria uma mais-valia que, mais tarde ou mais cedo, virá a dar bons resultados.
É, pois, uma teimosia higienizada, por quanto, apostando nas espécies autóctones, poderemos implementar circuitos ou mobilidades internas, que cada vez mais traga os portugueses ao Barroso a saborear a carne barrosã. Enquanto este desígnio não for agarrado por todos, aqueles que estão no setor da transformação, da restauração, não conquistaremos cota de mercado, nem estaremos a ser solidários com os produtores de carne barrosã, nem a criar uma imagem de marca que hoje os territórios têm de construir. Se não formos um território diferenciado, qualificado, com critérios de exigência, iremos, certamente, sucumbir. Se temos excelente batata, se os nossos produtos hortícolas são de grande qualidade, a carne de porco, que estamos a explorar mais ou menos bem, porque ainda poderíamos alavancar para outro nível, porque não dar o salto na questão da carne que se produz em Montalegre? Parece que os restaurantes e hoteleiros ainda não descobriram que isso é uma mais-valia que poderá ser usada para criar atratividade e para construir uma imagem de marca e todos sairemos beneficiados.
Será necessário sensibilizar os responsáveis dos restaurantes e os hoteleiros?
Mais do que sensibilizar, são necessárias medidas concretas. Neste momento estamos a desenvolver um projeto que vai custar muito dinheiro ao Município, que visa uma maior qualificação dos restaurantes, aos vários níveis. Este trabalho está a ser feito por uma empresa qualificada nesta área e quem aderir e mantiver os padrões de qualidade será atribuído pela empresa um “Selo de Qualidade”, conforme a categoria (3, 4 ou 5)que resultar da avaliação.
Com os eventos que realizamos em Montalegre, como a “Sexta 13”, o Congresso de Medicina Popular, a Feira do Fumeiro, o Mundial de Rallycross, o Nacional de Rallycross, que se realiza já este fim de semana, o Europeu de Parapente, que está a decorrer, entre outros eventos, a restauração e a hotelaria sempre estiveram à altura. De alguma forma os restaurantes não se podem queixar da falta de apoio, ainda que de forma indireta, do Município ao criar estas dinâmicas. Mas é preciso ir mais além. Como referi, é preciso criar uma imagem de marca, apostando nos nossos produtos, pelo que um dos critérios decisivos para o referido “Selo de Qualidade é o consumo dos produtos locais.
Nem todos os restaurantes aderiram, o que é uma pena. Mas quando virem o sucesso dos restaurantes aderentes, com uma “chapa distintiva”, estou convicto que acabarão por aderir.
Perspetiva-se que a exploração do Lítio seja uma outra área que possa beneficiar o Barroso?
Não queria falar muito sobre isto, porque temo que o centralismo lisboeta esteja a olhar para este assunto do lítio como uma coisa distante e, se calhar, não lhe estão a dar importância nenhuma. Já várias vezes fiz chegar aos governantes para que ponham os gabinetes ministeriais e secretários de Estado a trabalhar. Já chega de falar no lítio e de não haver resultados. Já são horas de se apresentar um plano. Chegamos ao ponto de ter sido constituído um grupo nacional do lítio que levou a Bruxelas o resultado do seu trabalho, mas do Governo da Nação não apareceu ninguém. O que poderá acontecer, se não houver rapidez e tomada de decisões céleres, se não formos rápidos a desenhar um plano, possivelmente as empresas procurarão outras alternativas, porque haverá outros sítios no mundo com lítio e, depois, ficaremos cá com ele, como aconteceu com o urânio.
Ou então, se se permitir, por exemplo, que uma empresa extraia aqui o lítio e depois o leve para ser transformado noutro sítio, tal situação não faz sentido, e não poderemos permitir que só sejamos vendedores da “areia”.
De facto, não podemos perder esta oportunidade de criar riqueza no Barroso, com a transformação do lítio na região. Mas estamos a demorar muito tempo e começamos a sentir que os empresários estão a entrar em desespero, porque as coisas em Lisboa não andam. É verdade que todo este processo requer cuidados, mas não se pode tardar tanto.
Paulo Chaves