Diário Atual

Manuel Cunha é militante do Partido Comunista há quase quatro décadas. Com a vida dividida entra a política e a medicina, em entrevista ao jornal A Voz de Chaves o flaviense fala sobre o estado atual do nosso país, nomeadamente na área da saúde, com especial destaque para o Hospital de Chaves.

A Voz de Chaves: Quando é que começou no Partido Comunista? Há quanto tempo, e porquê?

Manuel Cunha, militante do Partido Comunista há quase quatro décadas

Manuel Cunha: Fui militante do Partido Comunista muito jovem, e agora as pessoas nem entendem isso. Eu não quero exagerar, mas eu tinha 14 ou 15 anos. Tenho ideia que foi em 1978, no máximo em 1979. Na altura, penso que a idade mínima para ser militante do Partido Comunista era 15 anos. E, portanto, eu entrei para o Partido Comunista naturalmente mais ou menos ao mesmo tempo que entrei para a União de Estudantes Comunistas, que era a UEC, e mais tarde fundiu-se com a União dos Jovens comunistas e fundou-se a Juventude Comunista Portuguesa, e julgo eu que terá sido em 1980 ou 1981. Mas eu fui militante da UEC. Digo sempre na brincadeira que é engraçado porque o que foi depois ministro da economia do Governo do PS, que é agora um dos chefes da Endesa, o Pina Moura, é que assinava os cartões da UEC porque ele era o chefe da UEC. Foi então a minha militância. Eram outros tempos que as pessoas têm de perceber, eram os anos ainda no rescaldo do processo revolucionário mais agudo do 25 de Abril, em 1974, 75, e os anos que se seguiram. E eu tinha um pai e uma mãe que tinham atividade política intensa antes do 25 de Abril e depois do 25 de Abril e, portanto, foi uma chegada natural por essas vias. Nesse tempo também havia uma coisa que agora as pessoas percebem muito menos. Havia um interesse em ler, em estudar questões ligadas à política, e eu, na sequência da entrada para o partido comunista também fiz muitas leituras teóricas. Portanto, foi uma entrada emocional, familiar, racional, e tão consistente que quase 40 anos depois ainda cá estou com atividade política, partidária sempre, mais ativo, menos ativo, mas sempre com atividade partidária. Foi uma entrada com motivações também familiares, mas que depois foi perfeitamente autónoma das questões familiares.

Como é que gere a vida mais ligada à política com a vida de médico?
Naturalmente. Eu gostava de salientar que cheguei a por a hipótese de fazer vida política a tempo inteiro. Tinha 16, 17 anos e lembro-me de uma conversa com o meu pai. Tinha uma boa relação com ele e era uma pessoa que não fechava portas a nada. E discutimos essa possibilidade. E ele na altura disse-me “Mas tu queres ser médico. Se tu queres ser útil ao Partido Comunista, se calhar podes ser útil sendo um bom médico, exercendo com o princípio dos comunistas, ou seja, ser competentes na sua profissão, solidários com aqueles que trabalham, solidários com o Serviço Nacional de Saúde (que na altura se estava a começar a construir) e, acima de tudo, humanistas com os doentes e preocupados com os direitos dos doentes”. Portanto, para mim, embora isso possa chocar muitas pessoas, eu sou um médico comunista e um comunista médico, não tem de haver diferença entre as duas coisas. Sempre foi assim. Eu tive cargos, mesmo na faculdade, e eu na altura não os valorizei muito, mas eu fui da Assembleia de Representantes, do Conselho Diretivo e do Conselho Pedagógico da Faculdade de Medicina da Universidade Clássica de Lisboa, onde era estudante. E na altura não dei demasiada importância a isso, mas hoje vejo que foi uma experiência interessante, e que foi muito via atividade partidária. Há muta gente da minha geração ligada ao Partido Comunista e até ligada a outros partidos. Eu andei na faculdade no mesmo tempo que o António Costa, no mesmo tempo que o António José Seguro, do mesmo tempo, e curiosamente são todos Antónios, que o António Filipe, que é deputado há muitos anos do Partido Comunista. Eu sou do tempo de atividade partidária em Chaves na UEC quando o Pedro Passos Coelho era da JSD de Vila Real. Portanto, somos da mesma geração. Eu não sei se não sou mesmo do mesmo ano do Pedro Passos Coelho, mas coincidimos todos na política, ou na faculdade no mesmo período.

Qual é a sua opinião acerca das ações que António Costa tem vindo a desenvolver?
As situações são conhecidas. O António Costa soube interpretar uma condenação dos eleitores em Portugal, que inequivocamente uma esmagadora maioria da população que votou votou contra aquilo que se estava a fazer nos últimos anos no país e expressou uma vontade de mudança. E ele conseguiu, muito por mérito do Partido Comunista, que veio explicar, desde o início, que ele só não era Governo se não quisesse, encontrar uma alternativa. E dentro dessa alternativa ele tem conseguido honrar compromissos feitos naquilo que se chamou de posições conjuntas com o Partido Comunista, o Partido Ecologista Os Verdes, eu não sei se a posição conjunta com o Bloco de Esquerda se chama posição conjunta ou não, mas ele honrou os compromissos. E os compromissos, já ninguém fala muito disso, mas tinham três componentes, julgo eu. A primeira era aquilo que havia compromisso de fazer, e tinha muito a ver com a restituição de direitos que se tinham perdido, como os salariais, férias, etc. A segunda eram coisas que não se podiam fazer. E isso também é importante. Não se podia privatizar mais coisas, não se podia fazer mais processos negativos em cima dos que estavam já feitos. E, mais ainda, conseguiram que revertesse em algumas áreas, mesmo que não na perfeição, situações como em relação aos transportes coletivos de Lisboa, que deixaram de ser privatizados. A solução não me parece que tenha sido a melhor, mas seguramente que é melhor do que a que estava feita pelo Governo de Passos Coelho. E depois, todo um outro conjunto de processos que estão em movimento, e eu, por exemplo, sou muito crítico com a atuação deste Governo na área da saúde, e acho que na área da saúde não mudou nada. Ou seja, tudo o que é essencial de desmantelamento progressivo do Serviço Nacional de Saúde, tudo o que é essencial de estruturas, de direção, nos centros de saúde, nas ARS, nos hospitais de os do costume, que são os que têm o cartão do partido do Governo, neste caso do Partido Socialista, nada disso mudou. E não há aqui nenhuma inversão das políticas. Mais ainda, nós arriscamo-nos que o período de vigência deste Governo fique na história como um período, e eu não queria ainda dizer o período, mas se calhar o período em que o avanço da medicina privada e dos avanços privados na medicina mais se deu. E nós aqui em Chaves sabemos isso, sabemos que há um autocarro que pára em frente ao Hospital de Chaves para gratuitamente levar os doentes para hospitais privados do Porto, de Amarante ou de Guimarães, chamemos do litoral. E sabemos a dificuldade e o combate, e o Partido Comunista esteve, e eu até pessoalmente, na defesa do pagamento público do transporte de doentes não urgentes. E, curiosamente, eu tenho visto posições nesse âmbito específico muito positivas do presidente da Câmara de Chaves, que tem feito declarações adequadas dando até como exemplo que o Governo poderia fazer na saúde o mesmo que fez na educação, que é não dar financiamentos públicos, onde há soluções públicas de saúde não usar dinheiro público para financiar grupos privados de saúde, como também havia uma coisa parecida com as escolas privadas. E as pessoas lembram-se que deu muita agitação, que deu uma aparente contestação muito manipulada dos estudantes, do colégio, dos pais dos estudantes, mas que depois aparentemente arrefeceu tudo e prevaleceram os interesses públicos. O aspeto positivo que eu aponto ao presidente da Câmara é a intervenção que ele tem tido nessa área específica da defesa do Serviço Nacional de Saúde, e da responsabilidade do Estado, em especial nas regiões do interior, de assegurar um Serviço Nacional de Saúde de qualidade e de proximidade nos cuidados primários e nos cuidados hospitalares.

Há pouco tempo em entrevista ao nosso jornal o presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Queiroga, afirmava que parecia que os últimos Governos tinham um livro no qual diziam que tinham de fechar o Hospital de Chaves. Acha que mais cedo ou mais tarde isso irá mesmo acontecer?
Eu respondia por partes. Um aspeto que poucas vezes se refere que é as pessoas falam no Serviço Nacional de Saúde e muitas vezes esquecem-se que este quando se desenvolveu partiu de um país que quase não tinha estruturas de saúde, e que no interior não tinha mesmo. E, portanto, todo o processo de construção do Serviço Nacional de Saúde demora muitos anos, porque fazer hospitais demora anos, porque constituir equipas demora anos. O Hospital de Chaves abriu quase dez anos depois de o Serviço Nacional de Saúde ser lançado. E depois o seu apetrechamento, a sua qualificação foi um processo que se foi desenvolvendo ao longo de muitos anos. Depois, começou o ataque ao Serviço Nacional de Saúde, e da parte do ataque houve uma peça essencial que é a passagem dos hospitais a EPs. Portanto, já não eram entidades do setor público administrativo que correspondiam às necessidades de saúde pública das populações e que estavam articuladas umas com as outras, mas descobriram que cada hospital devia ser uma empresa que competia até com os outros hospitais, o que é um absurdo porque o dono é sempre o Estado. Coincidiu com isso a criação do Centro Hospitalar, à qual o Partido Comunista se opôs, e o tempo penso que deu razão ao Partido Comunista. A articulação dos hospitais é evidente que é desejável. Eu até dizia, na brincadeira, que há um grande centro hospitalar em Portugal que se chama Serviço Nacional de Saúde, e todos os hospitais articulam. Eu ainda hoje sou médico do quadro do Hospital de Santo António, e isso não me impede de estar a trabalhar há 16 anos no Hospital de Vila Real e até de ser diretor de serviço. E também não me impediu há 20 anos, faz em abril 20 anos, de vir do Santo António trabalhar a Chaves. E não precisava de haver centros hospitalares. O que é preciso é que haja vontade do ministério da Saúde, das direções dos hospitais e dos médicos, vontade e já agora condições, para que se criem condições para que os médicos possam circular dentro do Serviço Nacional de Saúde, para que os enfermeiros possam circular dentro do Serviço Nacional de Saúde.

Acha que o Hospital de Chaves tem essas condições?
Não. O Hospital de Chaves foi apregoado em 2007, de uma forma que eu penso que teve uma componente de desonestidade deliberada, que a criação do Centro Hospitalar foi para fortalecer o Hospital de Chaves. No concreto isso foi uma mentira planificada e a prática demonstrou isso. Eu não sou daqueles que diz que o Hospital de Chaves estava perfeito e que com o Centro Hospitalar ficou em dificuldades. O Hospital de Chaves já estava em dificuldades quando foi criado o Centro Hospitalar, mas a criação do Centro Hospitalar em nada fortaleceu o Hospital de Chaves. Antes pelo contrário. Contribuiu decisivamente para a degradação da qualidade do Hospital de Chaves. E depois as políticas sucessivas dos ministérios da saúde do tempo do Sócrates, do tempo do Pedro Passos Coelho e agora do tempo do António Costa têm também contribuído para isso concretamente ao não criar condições para a fixação dos médicos, ao transmitir uma mensagem negativa de que é preciso que haja um grande hospital em Vila Real e hospitais atenuados em Chaves. Isso é mentira. Não é isso que corresponde às necessidades. Mais ainda. O grande projeto que este Governo apresenta, que curiosamente já vinha do Governo anterior, a tal qualificação do bloco operatório tendo em conta as cirurgias… Não é isso que o Hospital de Chaves precisa. E é preciso ter coragem para dizer que se há um milhão de euros, ou um milhão e oitocentos mil euros para qualificar o Hospital de Chaves não o gastem aí porque não é aí que ele é mais preciso. O bloco operatório precisa de alguma qualificação? Precisa, mas não é na dimensão que lhe estão a dar. O Hospital de Chaves precisa de ter um fortíssimo serviço de medicina interna, precisa de ter um forte serviço de cirurgia, precisa de ter um forte serviço de ortopedia, de pediatria e, como é evidente para que isto funcione, de anestesia. E depois precisa que os serviços de apoio, os quais contam o laboratório de análises, portanto, a patologia clínica, a imagem, etc., funcionem. Depois precisa de enfermeiros, precisa de técnicos e precisa, enquanto continuar o modelo de centro hospitalar, que haja uma correspondência àquilo que se prometeu que era as consultas de todas as especialidades que existem no Hospital de Vila Real também serem feitas no Hospital de Chaves. Eu digo isso com um à vontade. Há 20 anos, não é há 20 dias nem há 20 meses, há 20 anos que eu, inicialmente vindo do Hospital de Santo António e nos últimos 16 a partir do Hospital de Vila Real, venho fazer consultas em Chaves. E na especialidade na qual eu trabalho e da qual sou diretor de serviço tudo o que pode ser feito com os doentes no Hospital de Chaves, é feito no Hospital de Chaves. O princípio é “Quem se deslocam são os profissionais, não são os doentes”. E mantendo a pressão de forma a que alguns retrocessos que se deram com a construção do Centro Hospitalar possam vir a ser revertidos e que se possa ir devolvendo ao Hospital de Chaves funções que ele perdeu. Resumindo, primeiro, quem tem de dar os sinais é o ministério da saúde, é o governo, é a política de saúde; segundo, se se mantiver o modelo de Centro Hospitalar, e este Centro Hospitalar é gigante, e, na minha opinião, é disfuncional, mas mantendo-se este modelo faz parte das responsabilidades da administração desde Centro Hospitalar delegar competências realmente para que em Chaves se possam tomar decisões, fazer planos, definir estratégias, e não ser tudo decidido em Vila Real. Tem de haver um reapetrechamento humano importantíssimo, que esse reapetrechamento humano é muito mais importante que a qualificação do bloco operatório, e que os objetivos do Hospital de Chaves devem continuar a corresponder a um modelo de Hospital Distrital como se concebia antigamente. Isto é, ao serviço das populações, ligado proximamente às populações, se quiserem articulado com os centros de saúde de forma a aproveitar a imagem do hospital para os centros de saúde, as análises do hospital para os centros de saúde, e fazer uma interpenetração entre os centros de saúde e o hospital. Os modelos organizacionais podem ser muitos. Se o Governo e o centro Hospitalar quiserem, não é propriamente o modelo do Centro Hospitalar que o impede. É preciso é haver vontade, e não tem havido vontade. E depois uma coisa capital. É, com os profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares, administrativos, que ao longo destes anos construíram os hospitais do interior e os puseram a funcionar, e se quiserem também principalmente com aqueles que tiveram funções de direção e de responsabilidade, é com eles que tem de se trabalhar. Não é começar a empurrar, e nós temos assistido a isto no Centro Hospitalar, os médicos que levantaram o Centro Hospitalar, que o estruturaram e que resistiram nos anos difíceis à desqualificação dos hospitais, não é afastando esses médicos em nome de uma pretensa renovação geracional, que agora está muito na moda, mas que vai ser feita à custa de prejuízo para os doentes e à custa de prejuízos a prazo para os projetos do hospital e, neste caso, do Hospital de Chaves.

Em 2013 candidatou-se à Câmara Municipal de Chaves sob o lema “Trabalho, Honestidade e Competência”. Quatro anos depois acha que isso são caraterísticas que ainda faltam em Chaves?
Ora, eu candidatei-me em 2005, em 2009, antes, em 2001, fui cabeça de lista à Assembleia Municipal. No fundo, desde que voltei a viver em Chaves, em 2001, fiz sempre parte das listas da CDU, inicialmente como cabeça de lista à Assembleia Municipal, e depois em 2005, 2009 e 2013 como candidato à Câmara Municipal. O lema “Honestidade, Trabalho e Competência” é um lema nacional da CDU. Aliás, julgo que já seria um lema nacional da antecedente da CDU, que era a APU (Aliança Povo Unido) que depois por uma série de razões evoluiu para o nome Coligação Democrática Unitária. Qual é a tradição dos autarcas do Partido Comunista da CDU? Quando se diz “Trabalho, Honestidade e Competência” é evidente, e nós já temos visto este slogan que é a imagem de marca da CDU desde sempre, ser mais ou menos copiado por outras forças partidárias. Agora, a imagem é nossa. Estas três componentes foram definidas por nós, e, de uma forma geral, a CDU é muitas vezes vista como exatamente um partido que tem nas autarquias um dos seus componentes mais fortes, que tem uma implantação autárquica, real, maior que o seu impacto nacional em reuniões, por exemplo, para a Assembleia da República, e isto tem a ver com um prestígio, e eu não tenho a pretensão de dizer que não há autarcas prestigiados nos outros partidos, com certeza que há, mas há um prestígio dos autarcas do Partido Comunista que é uma tradição histórica. E essa tradição que componentes tem? O que depende da capacidade de trabalhar e da dedicação, e aqui a palavra trabalho tem muito a noção de dedicação, é que é um apanágio dos comunistas. Haverá alguns que não o cumprem? Seguramente que há. Haverá noutros partidos gente que também tem uma capacidade de trabalho notável? Com certeza que há. Mas nós achamos, eu acho, que essa é uma caraterística forte dos comunistas no poder autárquico. A honestidade tem a ver com um princípio. Eu dou-lhe um exemplo. Eu sou membro da Assembleia Municipal, e nós temos senhas de presença. Eu não fico com elas para mim. Essas senhas de presença são entregues ao Partido para que não haja nenhuma dúvida de que eu estou ali a procurar um interesse pessoal, seja de um salário, seja de um apoio, seja do que quer que seja. Ou seja, a palavra honestidade tem vários componentes. Há um componente muito importante. Como é evidente todos os partidos podem ter pontualmente situações desagradáveis com militantes, e até com dirigentes, etc. O que eu lhe posso dizer é que estou no Partido Comunista há quase 40 anos e há uma cultura de fundo contra a corrupção. Não é uma passividade. É uma cultura de fundo contra o compadrio, contra o jeitinho. Há essa cultura concreta dentro do Partido Comunista e há quase como que uma exigência para com os eleitos, seja na Assembleia da República, seja nas autarquias, da simples Assembleia de Freguesia ou da Junta de Freguesia, à Assembleia Municipal e às Câmaras. E esse componente é o de um grande respeito pelos dinheiros público. Por esse país fora já ouvi alguns autarcas ou muita gente que não é autarca mas que é ligada aos partidos dizer que um determinado nível de compadrio, uma pequena corrupção é quase inevitável, e isso é o princípio dos erros. Nós temos de ser muito transparentes nesse sentido da honestidade. Honestidade na gestão dos dinheiros públicos, e eu acho que, fazendo mais uma vez a transição para a medicina, os médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde em cada momento da sua atuação devem ter a noção de que têm uma capacidade de decidir despesa que é importante, têm uma responsabilidade de defender os interesses e os direitos de saúde dos doentes e das populações, mas também têm uma grande responsabilidade de perceber que o dinheiro que estão a gerir é público, que tem de ser respeitado e que não se pode partir do princípio, nem os autarcas, nem os profissionais de saúde, nem os profissionais nas escolas, por exemplo, que o dinheiro é para gastar sem critério. Tem de haver um respeito extremo pelos compromissos que se fazem. Depois a questão da competência. Entrando agora no nosso concelho. Há um discurso notável ao qual as pessoas podem ter acesso através da internet via portal do PCP que é o discurso do Bernardino Soares, atual presidente da Câmara Municipal de Loures, no Congresso do Partido Comunista sobre o que é que se esperava de um comunista que chegava à presidência de uma Câmara que estava falida. E ele faz um discurso notável no qual diz que as populações elegem líderes políticos para dirigir a Câmara, e às vezes aqui em Chaves, algumas forças partidárias, alguns candidatos, quase que dão a entender que estamos a eleger gestores. Nós não somos gestores. Nós somos, a maior parte de nós, militantes ou dirigentes partidários que se candidatam como políticos. Eu não sou gestor, sou médico. E posso entender que a experiência como médico, como médico que já teve cargos de direção ajuda. Mas do que eu estou à espera é que eu tenha equipas que existem nas autarquias de juristas, de economistas, de chefes de departamento, de chefes de divisão… Agora, quem define as estratégias políticas são o presidente e os vereadores, ouvidas as populações, ouvida a Assembleia Municipal, mas são decisões políticas que têm de ser tomadas com competência mas não pretendamos reduzir essa competência ao aspeto da gestão. Porque então fazíamos concursos de gestão e ia para a autarquia o melhor gestor. Isso é um perigo para a democracia e é um perigo para as autarquias e para as populações. Nós elegemos líderes políticos que estão lá como líderes políticos. Não elegemos gestores modelos. Não é aquele que papagueia melhor as leis e as normas ou que aparenta um conhecimento de umas modernas normas de gestão nas quais eu raramente me revejo, e a experiência em saúde das modernas normas de gestão é catastrófica para o interesse dos doentes, das populações e dos profissionais. E, portanto, eu não me revejo nesse modelo. Se me candidatar, ou melhor, quando me candidatei candidatei-me como líder político e não me parece que o que se espera de mim seja o papagaio. Nós tivemos muitos papagaios na política nacional e na política local, que sabe as cifras todas, as verbas todas. A saúde é a mesma coisa, na medicina é tudo siglas. E aqui também. É o PRODER, é o 2020, e o 3030, e o 4040… Mas isso é a espuma, o concreto é muito mais complexo e decisivo. E é a tal competência de saber identificar os problemas, de saber perceber que não se podem resolver todos ao mesmo tempo, que há prioridades e para quem é que nós dirigimos as prioridades. Durante anos nós vimos um movimento das Câmaras, às quais praticamente só o Partido Comunista se opôs em termos nacionais, em que tudo as queimava. A água tinha de ser privatizada, a gestão dos lixos tinha de ser privatizada, as águas residuais tinham de ser privatizadas. Tudo tinha de ser privatizado. E correu mal. Na água foi um desastre como negocio porque de repente as Câmaras estão endividadas, estão em conflito, e as empresas que ficaram com as águas algumas ainda estão mais endividadas. Parecia que durante anos as autarquias não percebiam com o que é que elas iam ficar. Eles diziam que era com a economia e com os projetos, e aqui em Chaves foi um desastre. A estratégia da autarquia do PSD foi um desastre. Eu não quero dizer que a culpa foi só deles. Eu não quero dizer que naquele momento no mundo, em Portugal, na região aquele pensamento não fosse dominante, mas falhou tudo. As plataformas logísticas, o mercado abastecedor, tudo isso falhou. E então nós ouvíamos os autarcas dizer que esta questão da água e do lixo não tinham importância nenhuma, que a Câmara não tinha tempo para se preocupar com isso. E depois temos redes de água que não funcionam, a chamada distribuição em baixa, temos uma recolha de lixos que deixa a desejar. E aquilo que eles disseram que agora ficavam com as mãos livres para o desenvolvimento do concelho, neste caso de Chaves, correu mal, muito mal. As questões não são só locais, mas também são dos modelos que se quiseram implementar. E agora aparece o Governo a dizer que quer por a saúde e a educação na gestão das autarquias. Há aqui qualquer coisa que não está bem. Nós já sabemos a questão essencial, que é que eles querem fazer isso para enfraquecer, porque depois é mais fácil desmantelar concelho a concelho do que se a educação for toda pública e do Estado e a saúde for toda pública e do Estado. E também é estranho que as autarquias, que aqui há uns anos parecia que a sua vocação era uma vocação do desenvolvimento da economia, e agora de repente aparece o Governo do Partido Socialista, e isto já vinha de trás, a tentar transferir responsabilidades nas áreas da saúde e da educação, por exemplo, para as autarquias. Isso é mais um erro, mas é um erro que não é inocente. E é um erro que aparentemente contestá-lo cria algumas dificuldades. Então não hão-de ser as autarquias a estar ao pé das escolas? Nós só chamamos a atenção que quando o Estado lavar as mãos e disser que a questão do ensino é toda de cada autarquia ou que a questão da saúde, pelo menos dos centros de saúde, é de toda de cada autarquia, a defesa comum acabou porque depois cada concelho passa a ter os seus problemas próprios. E este projeto não é inocente.

Maura Teixeira

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5 comentários

  1. Almor Novo Salvador on

    Almor Novo Salvador
    Sobretudo um Enorme Profissional e um invulgar Ser Humano… Pessoalmente, digo: bem estaria O Serviço Nacional de Saúde se tivéssemos muitos “comunistas” destes! Digo mais: é o Meu Deus na Terra… Um HOMEM duma Estatura Moral e Profissional ímpar. Obrigado, Dr. Pité por SER a PESSOA que é… Grande abraço.

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