De Atenas a Esparta são 246 quilómetros de distância e, pelo terceiro ano consecutivo, João Oliveira voltou a percorrê-los. Após ter alcançado o 4º lugar no ano passado, um deslizamento muscular obrigou-o a desistir dos primeiros lugares este ano, mas não do Spartathlon, terminando em 33º lugar. Já com os mínimos garantidos para a próxima prova, o flaviense garante que só vai parar quando chegar ao pódio.

Todos os últimos fins-de-semana de Setembro, o flaviense João Oliveira ruma ao país dos Jogos Olímpicos para correr o Spartathlon, a mais dura ultramaratona do mundo, onde, numa só etapa de 36 horas, os atletas correm 246 km entre Atenas e Esparta, repetindo os passos do mensageiro ateniense Fidípides que efectuou esse percurso para pedir ajuda contra a invasão dos Persas no ano 490 a.C. Este ano, João Oliveira, o primeiro atleta português masculino a participar nesta mítica corrida, competiu com corredores de 33 países de todo o mundo e só uma lesão muscular o impediu de chegar mais longe do que o ano passado, em que conquistou o 4º lugar.

Depois da atleta lusa Alzira Hilário se ter estreado em 2001, João Oliveira foi o segundo português a correr pela primeira vez o Spartathlon em 2009, terminando a prova em 34h no 64º lugar. No ano seguinte, o flaviense treinou, voltou e entrou para a história com um 4.º lugar, alcançado em 27h e 27m. Nesta edição de 2011, conseguiu o 33º lugar com o tempo de 32 h e 6m, tornando-se o único português a terminar a prova três vezes consecutivas. Este ano, o flaviense ainda convenceu um colega de Matosinhos, Vítor Coelho, a rumar à Grécia, onde terminou a prova em 120º com um tempo de 35h e 26m.

“Até aos 90 km estava em 4º lugar, bem isolado. Mas entre os 90 e os 100km sofri um deslizamento muscular, que me obrigou a reduzir drasticamente a cadência que levava, sendo por vezes forçado a parar nos postos de controlo para ser assistido devido às dores que tinha”, recordou à Voz de Chaves João Oliveira. Depois de correr os primeiros 100 quilómetros em 8h e 30m, as dores aumentaram e foi aconselhado a desistir. Nem pensar. “Apesar daquele panorama nada animador, não virei a cara à luta, cerrei os dentes e lá me fui arrastando como pude. O meu corpo pedia para parar, mas tinha que dar valor a todo o treino que fiz ao longo do ano, não poderia desistir assim ou tudo em que acreditava seria em vão”, conta. Resistindo à dor, o flaviense abandonou a ambição de alcançar os primeiros lugares, mas terminou a prova, garantindo os mínimos para o próximo Spartathlon. “O meu objectivo é ir ao pódio e colocar lá o nome de Portugal”, assegura, com determinação.

 

“Temos que fazer da dor o nosso pão e do sofrimento o nosso companheiro”

Que ser humano aguenta correr 146 quilómetros em sofrimento? É uma questão de filosofia. “Se abandonarmos, como é que vamos ter lata de infligir aos outros aquilo que não conseguimos fazer?”, responde o atleta. Correr uma ultramaratona requer sempre “um enorme esforço e muita determinação”, mas “esta foi a prova mais difícil da minha própria trajectória desportiva existencial”, reconheceu João Oliveira. Apesar de este ano não ter chovido e o vento gelado não ser notado, aguentar as elevadas subidas montanhosas, num percurso 85% em alcatrão e o resto em terra batida, é obra sobre-humana. “Muito do trajecto, reconheci do ano anterior, o que me facilitou, pois sabia onde poderia apostar mais um pouco e onde poderia recuperar”, admite o atleta, que passa a prova a alimentar-se com gel para desportistas.

Perto de completar 34 anos, João Oliveira pratica atletismo desde os tempos de escola. Quando entrou para o serviço militar, foi logo recrutado pela equipa da “casa” para participar em pequenos campeonatos. Depois de arrecadar o 1º lugar numa corrida de 7 km na Madalena, em Chaves, conheceu o atleta Mário Alves, que o desafiou a correr uma meia maratona de 21 km em Lamego. Ficou bem classificado e despertou o “vício”, estreando-se na Maratona de Lisboa. Depois, a partir de 2005, começou a participar todos os anos na Maratona de Ronda (no sul de Espanha), de 101 km. No total, participou em cinco provas, sendo que em quatro ficou em 1º lugar como militar. Este ano, juntou-lhe um 3º lugar na categoria sénior. O “bichinho” continuou a morder e, incentivado pelo atleta portuense Fernando Santos, aceitou o maior desafio de todos: o Spartathlon.

O que faz correr João Oliveira? “É desafiar-nos a nós mesmos. […] A nossa fraqueza é que o nosso corpo é malandro, temos de ser mais forte do que ele”, defende o jovem licenciado em Psicologia, que é agente prisional em Lisboa desde 2001, mas trabalha actualmente como técnico superior de reeducação. Numa prova como o Spartathlon, não há “mas”, nem “meio mas”: “Temos que fazer da dor o nosso pão e do sofrimento o nosso companheiro”. O que mais custa a aguentar? “A pior dor é psicológica porque é essa que nos leva a abandonar. Depois de meses de treino, o maior incentivo é chegar ao fim”, conclui. Outro conselho: “quando alguém desiste, nunca se olha para ele”.

E para perceber qual o verdadeiro sentido do Spartathlon, nada melhor do que o relato de João Oliveira sobre a chegada à meta. “Entrei na avenida da meta final e só pedia mais um bocadinho às minhas pernas, as crianças que corriam ao meu lado eram muito mais rápidas do que eu. A avenida estava atestada de gente a aplaudir e eu corria o mais depressa que meu corpo respondia. Subi as escadas que dá acesso à estátua do rei Leónidas, onde teria que tocar no seu pé. Só tocando no pé ou numa das bases da estátua é que o tempo pára: é a meta”.

Sandra Pereira

 

Ultramaratonismo: uma modalidade pouco divulgada e sem patrocínios

João Oliveira é o segundo atleta português, mas o primeiro masculino, a participar no mítico Spartathlon. Se não há mais gente a participar, é porque a modalidade de ultramaratonismo, uma corrida a pé com distância superior à distância oficial da maratona (42 km), está pouco divulgada em Portugal e nem sequer está incluída nas modalidades da Federação Portuguesa de Atletismo por falta de verbas. “Correr uma ultramaratona é algo que nos inibe e nos faz sentir mais corredores perante tamanho desafio que um dia decidimos enfrentar”, considera o atleta flaviense, mas “quem quiser praticar a modalidade, tem de ir a Espanha fazer os mínimos”.

João Oliveira “paga para sofrer” no Spartathlon, uma prova que requer mais resistência do que velocidade. Só de inscrição são 400 euros (no próximo ano subirá para 800 euros), mais os custos de viagem, que financia ele próprio, sem patrocínios. Quem corre por gosto, não cansa: “como não fumo, este é o meu vício”, remata. Quanto aos treinos, o relógio é o treinador de João Oliveira, que corre 1h30 por volta das 6 horas, antes de ir para o emprego, e 1h30 ao final da tarde, depois do trabalho. Nas folgas, a corrida pode estender-se a um máximo de cinco horas.

S. P.

 

 

loading...
Share.

20 comentários

  1. ATLETA FORA DO COMUM.VENCE A SI MESMO AO SUPORTA R A DOR.JOÃO SINTA-SE MAIS QUE UM VENCEDOR.O MAIOR ÊXITO DE UM HOMEM ,É QUANDO CONSEGUE TER CONTROLE TOTAL, ÉM RELAÇÃO A DOR.VOCÊ JÁ ESTÁ NO PÓDIO DOS VERDADEIROS ATLETAS.SEU SONHO SERÁ REALIZADO. O PÓDIO SERÁ SEU E ELEVARÁ O NOME DE SUA AMADA PÁTRIA AINDA MAIS. PARABÉNS TRIPLICADO.

  2. Isso mesmo!! nao sei onde vai buscar essa força, mas depois do que te conheço fiquei a saber que tens para isso e muito mais;)
    continua mas so gastes as tuas forças no que realmente acreditas e nao diexes nunca que te digam ” nao és capaz” é medo de que lutes e ganhes…

    • João Oliveira on

      É verdade Anna, e todos aqueles que ate hoje me disseram, que não seria capaz, foi quando mais me esforçava para o conseguir. Obrigada amiga

  3. João Oliveira é mais que um vencedor, é o topo que representa Portugal no mais dificil e pra muitos impossivel a caminhada que precorre e o sonho que o faz viver.
    É digno de ver,ouvir e sentir como portugues, leva o nosso sangue alem fronteiras sem qualquer ajuda monetaria, representa o nosso pais apesar do abandono que nos portugueses lhe atribuimos, mesmo assim este nobre atleta Flaviense que me digno de conhecer pessoalmente grita a sua nacionalidade sem qualquer lacuna.
    João Oliveira poderamos nos poder-te encaminhar monetariamente pra sentires o apoio e o calor de todos nos, eu como atleta me esprimo e me orgulho de ja ter corrido contigo, e com todo a minha honra proclamo a todos que leiam esta noticia possam gritar por ajuda e apoio sempre que o jõao oliveira ou outro Portugues represente a noção nação dentro ou fora de Portugal, tenha o minimo e devido apoio no recorrer das provas.
    So quem sabe o que custa os passos ao longo de distancias das provas podem dar o devido valor e o esforço em representar o nosso pais que nos ignora prova atras de prova, lutando e levando a nossa nacionalidade pra todos os cantos do mundo, como todos os atletas flavienses no qual me incluo.
    Tantos fundos mal gastos no nosso municipio e no nosso pais, e ao lado deste nobre ivento, no qual nem ajudas de custo pra fotos esteve presente… enfim….
    Força grande Oliveira!!! Es o melhor dos melhores!!!!

    • João Oliveira on

      Ola, companheiro de minha estrada, amigo leal e fraterno adversário. nem sempre as coisas correm bem, mas sem ajudas e sem apoios, nós estamos la, mostremos que somos capazes, nao somos indiferentes aos demais atletas. E afinal, de tudo, somos Flavienses. Obrigado

      • Carlos cepeda on

        Ola carissimo amigo Oliveira, que fique siente que estaras sempre no podio flaviense e no topo dos melhores do nosso pais, es a honra Portuguesa, es 1 super heroi, espero que esta batalha seja o resultado das tuas espectactivas, porque pra nos ja estas no mais alto e nem imaginas como te admiramos pela grandesa por ti atengida.
        continuação de bons treinos, espero que a gente se encontre por ainuma prova…

  4. Maura Freitas on

    Muito bom,parabéns pela garra,pois no próximo ano vc vai estar em primeiro…não desista nunca mesmo…muita coragem tua correr tdo isso msm com dor….vc ja é um vencedor…Parabéns!!!

    • João Oliveira on

      Ola Maura, Obrigada por tudo, sempre, me apoiaste e sempre tiveste gosto no desporto que eu praticava. Obrigado amiga. Farei para que um dia isso aconteça. Obrigado

  5. O João Oliveira, é um atleta de caracteristicas excepcionais, pela sua elevada capacidade de dedicação, resitência e sofrimento.
    Estou certo de que alcançará o pódium desta mitica prova.
    É com grande orgulho que visto a mesma camisola do PortoRunnes.
    Ao João quero-lhe deixar um forte abraço de parabéns por mais esta prova e desejar-lhe os maiores sucessos para todos os desafios que se proposer enfrentar.

    • antonio mesquita on

      Ao João, colega e atleta do mesmo clube que enverga a mesma camisola do PortoRunners que eu e companheiro de algumas provas e treinos, é com grande orgulho para mim, ver as manifestações que recebe, pela coragem de concluir a maior e mítica prova que vem desde a antiga Grécia e elevando bem alto a nossa bandeira.
      Portanto João, os meus parabéns e força psicológica para em 2012 atingires o lugar mais alto do pódio, como teu grande objectivo.
      Este feito só está ao alcance dos grandes, tu és GRANDE.
      Parabéns e um grande ABRAÇO.

      Um grande ABRAÇO

      • João Oliveira on

        Amigo, companheiro de treinos e amigo rival nas provas, espero que estas suas palavras eu consiga realizar em 2012. obrigado farei por tudo que isto se realize. Obrigado

  6. Elisabete Gonçalves on

    Parabéns, João!
    És um grande exemplo de força e determinação, só assim é possivel atingir grandes desafios e objectivos. A tua força e determinação contagia-nos.
    O prazer de chegar ao fim de uma prova é tão grande, não é possivel explicar, é uma coisa que se sente, por isso entendo as tuas palavras…
    Tenho a certeza que vais alcançar o teu grande objectivo, força!
    Bjs

  7. antonio nunes on

    para o ano se nao tiver lesionado vou correr a chaves na corrida do outeiro seco,queria te conhecer pessoalmente e dar-te um abraço

  8. Fernando Santos on

    Olá João;

    Muita coisa já foi dita sobre a tua: Coragem,Determinação,Os teus obgectivos,Garra, mas… no entanto, conhecendo-te como te conheço só tenho a dizer-te uma coisa, e que para mim tem muito valor. Além de todas estas “qualidades” que tu apresentas no teu percurso diário, SIM; porque as nossas qualidades só são medidas se, as posermos em evidência no nosso dia-a-dia e de facto TU consegues fazer isso muitissimo BEM. Sendo assim, e querendo ser coerente com tudo, o que estou para aqui a escrever, sobre a tua passoa, não vou deixar nenhuma mensagem relacionada com a nossa/tua prática na corrida. A Mensagem que te quero deixar é a seguinte, TU tens uma/s qualidade/s que eu dou muitissimo valor e que procuro defender diáriamente tanto para mim, como para quem comigo convive, essa/s qualidade/s é/são tão simples como ter-se: COERÊNCIA ,RESPEITO (para connosco e para com os outros),e acima de tudo MORAL … como tu, tens todas estas qualidades, SÓ PODERIAS SER, UM CAMPEÂO!…
    Muitos parabéns por encarares a vida assim.

    • João Oliveira on

      obrigado amigo, companheiro de minha estrada, se muita coisa sei hoje na pratica desta modalidade, todas as minhas bases, foram ensinadas por vocês que me acompanharam e me deram o valido valor. Por isso, se hoje sou corredor, e penso desta maneira, é a vós que vos devo. Obrigado por ser vosso aprendiz. Obrigado Sr. Fernando Santos.

  9. vitor coelho on

    Boas

    Sem duvidas esta é uma prova única, e este grande atleta já a completou por 3 vezes, tivemos com algumas pessoas que já foram varias vezes tentar fazer e nunca a conseguiram terminar.
    O João tem potencial e penso que teremos em breve neste pódio, este ano foi um pequeno percalço mas para o ano será de certeza o teu grande ano, a do que me toca terás aqui um amigo para essa preparação e sempre que o quiseres basta dizeres.

    Ate la boas provas.

Deixe Comentário